Em Madrid, larguei o meu vício de testemunhar cada madrugada. Amanheci com vagar, mantive o hábito do sumo de laranja e um café - o "americano" foi a escolha. Deambular sem pressa pelos jardins do hotel, perder-me nos vitrais genuínos, as uniões em chumbo provam-no, as formas do arvoredo que filtram. Depois, sair e redescobrir uma cidade que, pela visita anual durante toda a infância e adolescência - ali era adquirido material e vestimentas para o ano letivo a iniciar -, jurara aos vinte e cinco anos, não mais voltar. Assim foi nas duas décadas seguintes. Atravessar Espanha, sim, mas somente pelo ar. A norma interior seria quebrada cinco anos atrás, conquanto mantivesse Madrid arredada do percurso cujo objetivo era Poitiers. Porque sempre amei o País Basco, deste não prescindi. Com Biarritz o mesmo. Entesouro memórias lindas dessa travessia. Par de anos depois, houve regresso a Madrid para visitar as exposições temporárias de Picasso no Reina Sofia, de Modigliani no Tyssen. Viagem soberba pelo visto e porque feita deliberadamente em carris - sair de Lisboa ao fim do dia, dormir em couchette e acordar na estação de San Martin de La Vega. Regresso idêntico. Para a mulher que ama comboios, melhor era impossível.
O resto da manhã e princípio da tarde até ao almoço tardio, passado em lojas de arte. Já na véspera, a loja do Tyssen me tinha feito cair em deliciosas tentações. Mas foi na "Arte Stilo", logo a seguir à Toledano das magníficas montras (ver acima) mas com recheio feito «pra turista ver», ambas no Paseo del Prado, que me deixei levar pela qualidade das peças expostas - Klint, o checo Alphonse Mucha, Hopper; Dali, Miró, Picasso inevitavelmente.
As imagens traduzem o entusiasmo na espera da visita às onze salas dedicadas à temporária de Dali. O "Pássaro Lunar" de Miró suportou-me o peso.
Visitada a mostra, recompus-me da desilusão no terraço do 3º piso. De facto, apenas seis obras emblemáticas constam, as restantes são de períodos menores ou indefinidos do artista, excetuando as dos primeiros anos na caminhada. Nestas, sim, matéria, traço perfeito, investigação bem patentes. Nas seguintes, é o «lambido», a facilidade dos contornos a preto, ausência de matéria. Usar ou não o óculo, tanto faz - a perspetiva mantém-se, frequentemente, numa bidimensionalidade pobre. Os hologramas são banais, as esculturas melhores sem que espanto seja consequência. Maravilha em Dali a rutura com o até ele feito em pintura, com o domínio do traço se o tratado é o corpo humano. Remata a exposição uma patética tentativa de voltar à técnica impressionista. De tão má, julgo difícil esquecê-la.
Ia a tarde mais que meada, de volta ao hotel para balanço do espírito assoberbado com o visto. Horas após, saída para a janta no restaurante mais antigo do mundo - o Botin. Entre outras, a especialidade rainha é o leitão de vinte e um dias. Deixa longe o de Negrais que odeio, o da Mealhada, empata com o do Mugasa aqui na maravilha da aldeia de Fogueira, Sangalhos. É repetido que Hemingway do Botin dizia ser o melhor, que Goya nele havia lavado pratos enquanto aguardava ser admitido na Real Academia das Belas-Artes. A ligação que sugiro merece exploração adequada, embora surja a página dedicada à origem e influência artística do Botin.
Não tenho por hábito ser exuberante em lugares que desconheço. Mas se a tuna do Botin, vestida segundo a tradição medieva e composta de excelentes vozes e tocadores, me dedica o "Coimbra é uma Canção" a emoção extravasou.
No regresso para a deita - na memória, a pintura do recanto escondido que acolhe o Botin -, outro vitral me esperava no hotel.
CAFÉ DA MANHÃ
Vídeos a não perder. No primeiro, critérios para a seleção das obras no Reina Sofia; no segundo a decisiva influência de Gala em Dali.
Camille Pissarro – “The Rainbow”(1877) e “Poultry Market Pontoise”
Salvador Dali – “Battle over a Dandelion”(1947) e “Portrait of Gala with Rhinocerotic Symptoms”
Vou lá fora e volto já. Impossível perder duas exposições com vasto acervo da obra de Salvador Dali e da obra de Camille Pissarro. Mais afetuosa com o segundo do que com Dali, breves instantes e ‘estou no ir’. Pela tarde, espero, andarei agradavelmente «perdida» na mostra surrealista.
CAFÉ DA MANHÃ
Novo 'banner' do "Escrever é Triste" por Sofia Areal
A ciência conjuga-se de muito perto com a arte. Ocasião para lembrar conselho de Salvador Dali aos candidatos a pintores, igualmente oportuno para jovens cientistas: _ “Não temam a perfeição. Nunca lá irão chegar.”
Apetece desmentir o mestre em presença do novo banner que encima o “Escrever é Triste” pela mão feliz da Sofia Areal. Apetece escutar os lugares plásticos desta pintora. Em alternativa, pensar o futuro de modo contínuo e gratuito num carrocel de amanhãs ignotos a partir de tempos idos. Traços verticais ou horizontais e círculos como vocabulário novo da Sofia Areal que a ciência/arte agradece. Nos vermelhos e azuis puros recebidos da banda do visível da luz solar, nos amarelos, o encontro dos ícones atrás mencionados com flores que não parecem sê-lo mas são. Neles, a personalidade observadora da artista, a crítica social e política que cada um subentende. Da Sofia Areal, o retorno sob a forma de alegria da mão que o traço e a paleta conquistam.
Sofia Areal
Mas há o negro, o glutão das radiações nos traços lineares do banner. E o Sol rodeado de vermelho, mais «frio» do que o amarelo. De novo, a pintura da Sofia Areal respeita a ciência. Num daqueles amanhãs ignotos, o Sol irá arrefecer progressivamente até anular a entropia terrestre obtida do astro majestade. A cor vermelha será, então, a solar. Processo continuado na diminuição do tamanho do corpo celeste até ao branco cor, soma de todas. No banner, o resumo subjetivo do escrito.
Sofia Areal
Além da pintura e do desenho, Sofia Areal desenvolve investigação plástica nas áreas da ilustração, design gráfico e cenografia. (...)
Nota 1: continuação do texto aqui.
Nota 2: imprescindível fruir do site da artista para mais ver e saber.
Porque os génios são humanos, excelente trabalho da RTP2.
CAFÉ DA MANHÃ
Salvador Dali
Inscrição simples – documentos banais do candidato e impressos em dose comedida. Seleccionadas diligências pretendidas, a instituição actua: visita de reconhecimento por técnicos especializados, definidos cuidados a prestar. Tomado como exemplo casal idoso, lisboeta, ele acamado, a mulher, oitenta para cima, ainda ligeira apesar dos anos acumulados e dalguns padecimentos. Difícil mover o diabético, amputado, regular a glicemia, cuidá-lo para que feridas não surjam e alastrem. Por menos de vinte euros, a instituição envia regularmente enfermeiras, acompanhadas ou não de médico, e cuidadoras da higiene do doente.
Na última visita do pessoal de enfermagem, detectada pele seca e uma borbulha na perna restante. Mereceu atenção que olhos desprevenidos julgariam sem importância. No dia seguinte, uma médica desloca-se ao domicílio, inspecciona o motivo de alarme constante no relatório da enfermeira, medica e recomenda o que fazer; do mesmo modo, anota ser necessária consulta da especialidade. Novo dia, a equipa técnica verifica se o tratamento obteve resultados positivos e regista tensão alterada. Marcada consulta outra sempre ao domicílio. Fraldas e resguardos fornecidos mensalmente em número suficiente para não existirem faltas.
Informação repetida ao logo dos dois anos de assistência: _ “Havendo necessidade, basta telefonema a qualquer hora para ter auxílio aqui em casa.” Desde então, os serviços prestados continuam idênticos na eficácia. Nome da instituição: Santa Casa da Misericórdia. Portuguesa, exemplar.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros