Gustav Klimt – The Kiss
Fazer como Scheherazade. Sabiamente reservar o mistério deixando por contar, a cada noite, pedaço de narrativa que cativa. Prolongar a estória pela subtileza dos silêncios. Conservar sob véu de organza os pensamentos e encobrir impulsos com renda embrincada. Do rei persa Xeriar, ela conhecia a raiva pelas mulheres após cilada daquela que muito amara. Sabia que virginal e nova esposa a cada dia ele fazia sua para no fim da noite a assassinar.
Desobedeceu à vontade do pai temeroso e casou com o rei. Porque curiosa e destemida? Pelo desafio de acordar para nova aurora onde outras soçobravam? Por amor incondicional ao rei que de si próprio fizera esquife, não foi – arguta, sabia a duvidosa valia do descrer sistemático na possibilidade de ressurreição para vida nova.
Durante mil e uma noites ela contou estórias engenhosas. Edificantes. Cada uma enlaçada com a seguinte. O final sempre adiado para o anoitecer do amanhã. Veio o amor. Vieram três filhos gerados em inolvidáveis êxtases, sem que o véu de fina organza resvalasse e da mulher expusesse os segredos. Xeriar cicatrizou a chaga de ódio que o perseguia. Depois, reconheceu amar Scheherazade e dela fez rainha. A tanto chegou a persistência e a força dum afeto cujo balbuciar desconhecia, quanto mais a fala.
Nota: texto esquecido na arca dos escritos e, há instantes, publicado aqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros