Tracy – “Homework” Autor que não foi possível identificar – “Palette”
Era uma vez, uma menina descendente única em três gerações. Fosse pela falta de primos cerca dela com os quais partilhasse brincadeiras, outras engendrava para conjugar o verbo aprender. Começou a ler sozinha por falta de assunto, presumo. As ilustrações dos livros de estórias encantavam-na. Dedicou-se ao desenho e a manipular com destreza ingénua o carvão e lápis de cor. A escrita foi a brincadeira seguinte. Rabiscou cadernos e cadernos de linhas que intervalava com traços nos blocos de “papel cavalinho”. O afeto paternal havia de os arquivar. Hoje, conservo-os alinhados e protegidos honrando o amor que os legou.
À menina chegou muito cedo – aos cinco iniciara a “primária” – a obrigação de optar por rumo estudantil. As artes fascinavam-na; estarreceu os pais ao declarar o desejo de frequentar Belas Artes. “Que absurdo! Nem pense. Em Coimbra, tal escola não existe e ir para Lisboa ainda com dezassete anos aprender “desenho nu” está fora de questão.” E a menina foi exposta a testes de orientação profissional. Manteve-se ambiguidade – empate técnico entre letras, ciências e artes. Rebelde desde que se lembrava, aprendera que contrariar ostensivamente o clã familiar era luta inglória. Escolheu ciências, da matemática como jogo não prescindia, e continuou a desenhar nos cadernos de cada disciplina. Arrancava as folhas, e a manobra teria passado despercebida não ficassem os cadernos resumidos a poucas dezenas de páginas. Teve reprimendas. Numeradas as folhas. Insubmissa, mudou de estratégia: aberto por baixo do livro da disciplina estava o romance que na altura lia. Mais reprimendas. Castigos. Um deles: não ver televisão. Consequência: mais lia e desenhava.
Escolheu licenciatura por contexto partilhado com amigas de longa data: a Guida Catalão e a Teresa Almeida e Sousa. Nada que a estimulasse particularmente, salvo preservar quotidiano amigável. A surpresa viria depois: apaixonou-se pela Química e, mais tarde, pela profissão. Até hoje. Todavia, já mulher feita sente a falta de aprendizagens adequadas na escrita, em História, no desenho e na pintura. Tudo continua a fazer, a cada palavra, traço ou pincelada mais consciente da ignorância que não colmatou.
“Voltar à escola” – ideia que congemina e tenciona concretizar na qualidade de aprendiz curiosa e empenhada. Não que o estudo diário esteja arredado do seu dia-a-dia de trabalho. Mas aprender o que sempre almejou é meta e vontade. Porque mesmo quando a profissão está garantida, o apetite por mais e diferente não é esquecido. Percebeu que com disciplina e entusiasmo é possível conciliar o impossível. Satisfazer quem é e quem deseja ser - preciso e precioso. Por isso arrisca escrever crónicas de cuja técnica pouco ou nada sabe. Por isso irá frequentar aulas de escrita e de pintura que a façam ultrapassar o vício do “lambidinho”. Por isso admira quem não desiste de empurrar o horizonte e volta à escola para infletir um rumo ou por mero prazer.
CAFÉ DA MANHÃ
Bart Lindstrom, Boris Vallejo
Título comprido: Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território. Para quatro áreas tão distintas condensadas numa só, deve ter assessoria dum regimento de secretários e distintos conselheiros. Que assim seja, apesar do emagrecimento em ministros do actual Governo – versão Junho de 2011 – com a finalidade de poupar uns milhares, mais do dobro seja gasto nos múltiplos subordinados/assessores. Mas nada percebendo de finanças e ficando-me pelo “eu cá acho”, quem mais souber se pronuncie sobre a despesa da corte que ela e outros rodeiam.
Primeira medida visível de Assunção Cristas: «desengravatar» os homens que trabalham nas repartições sobre a sua alçada, aceitar vestimentas mais leves e descontraídas de modo a economizar na energia consumida (30%, calculou) pelos ares condicionados. Anualmente, doravante, de 1 de Julho a 30 de Setembro a temperatura nos edifícios que alojam ror de gente estará regulada para 26o Celsius. Bem pensado, melhor feito. Não é acaso o gesto de à saída o trabalhador dar folga ao laço do penduro. Quem sabe a descontracção no trajar desfaz a pose habitual, facilita as relações laborais e melhora a produtividade de instituições onde o ranço do “deixa andar” é, tradicionalmente, lei?
Grandes empresas apostam há muito na sexta-feira sem garrote e com vestuário informal. Razão semelhante, apartando o consumo energético, é concluído a regularidade do fato completo, sem colete – era o que faltava! – e os tailleurs das funcionárias como norma absoluta obstaculizarem desempenho eficaz e criativo. É que abuso nas regras, todas somadas, entope e torna pardo qualquer um.
CAFÉ DA MANHÃ
Katherine Doyle
Nova espécie de tsunami, avassaladora como as clássicas, porém isenta de catástrofe consequente, é azul. Na Ibéria de cá, foi o futebol do F.C.P. que o dos demais clubes engoliu; na de lá, o Partido Popular dominou nas várias regiões e deixou Zapatero com o PSOE a carpir.
Não admira tanto azul de lés-a-lés nesta que poderia ser a Jangada de Pedra da Europa: o F.C.P. impôs-se pela qualidade e feitos, o PP espanhol pela esperança dum curandeiro salvador das chagas que atormentam os cidadãos. Aplaudo a decisão do chefe de governo ao não confundir o equivalente às nossas “autárquicas” com “legislativas”. Oposto foi, dez anos atrás, o entendimento de Guterres e nada adveio de bom (ficando, não seria diferente o futuro, mas a destrinça inteligente e coragem política do governante mereceriam louvor).
O movimento espanhol “Democracia Real, já!” testemunha vontade de mudança dos políticos e das políticas. Se começou por jovens – os principais mártires dos 25% de desempregados -, hoje, junta avós e netos, famílias sem interrupção das gerações. Pode discutir-se se existe democracia para a generalidade dos povos que devia servir. Se a «coisa» que dá pelo nome e vigora em muitos partes do mundo, livremente ou à força, merece inclusão no conceito nobre vindo d’antanho. Se o seu abastardamento não é alicerce do estado de corrupção e ruína densa que implode sobre os cidadãos.
A solidariedade e, principalmente, o estado de sofredores por motivos idênticos em França e em Portugal imprimiram dinâmica local à inspiração espanhola. Em Lisboa, começou por quarenta acampados frente ao consulado dos hermanos e já vai em quinhentos. Propõem-se continuar o protesto sereno até às legislativas. Provam que manipular e abusar continuadamente das gentes não é receita que dure sempre. E vêm da riqueza dos nossos adágios confirmações:
- “a mentira tem pernas curtas”;
- “mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo”.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros