Deixando Lisboa, a ponte é o “lugar onde o Sul começa” jura amigo desde há par de décadas. É dado às letras, às pedras, à água no seu brincar, às madeiras que mima e restaura com saber, ao canto, à música que escuta e improvisa até com passos ritmados no cascalho. Coincide neste particular com Adriano Correia de Oliveira que conta ter sido este mesmo som vindo de bando de gentes que inspirou ao Zeca a cadência da “Grândola, Vila Morena”.
Porque não nos víamos há uma dezena de anos, combinado encontro para um domingo ainda Agosto estava antes do meio. A fala que um ao outro contou as novas pessoais e familiares foi sorriso multiplicado na descoberta de lugares e revisitação dos mais amados.
Para quem entra no Castelo de São Filipe, virando as costas à luz em frente, pedras e cerâmicas vetustas protegem o silêncio.
Encarando o azul certeza, outro arco e outra porta ancha.
Na subida da escadaria gasta pelos séculos, jogos de sombra e luz, ferros.
Quase a medo de rever o deslumbre dos horizontes longe e próximo, queda-se o olhar.
Apetecem novos testemunhos de presença no belo ancestral.
É tempo do adeus à baía talvez mais linda de Portugal.
O mesmo oceano, o mesmo maciço da Arrábida, o mesmo azul, outro castelo - o de Palmela.
As serras do Louro e de São Luís sugerem enrugamento da Arrábida. A estrada da Cobra serpenteia entre elas.
CAFÉ DA MANHÃ
Breve a fuga. Sempre curto demais encontro silencioso com o espírito. Também por isso aproveitado cada instante. Fruição. Até na espera do ferry e das sardinhas em Setúbal.
Casal de alemães rondando sessenta e pós sai da caravana luzidia. Elegantes, bronzeados, cedem ao vício dum cigarro com Arrábida em fundo. Gozando da brisa fresca, dos meus cabelos por ela levantados, do sol entre nuvens no seu brincar com sombras e repentes de luz gloriosa, sentia com gosto o temperamento da meteorologia. A mulher aproximou-se e foi o inglês posto ao serviço do diálogo. Comentaria: _ “É rica?”. Perante a minha perplexidade, acrescentou: _ “Esta zona é muito cara. Quem ali circula distingue-se dos algarvios e alentejanos.” Expliquei o critério que preside no ‘Troia Resort’ – pelo custo dos catamarãs, injustamente arredada a população de Setúbal da praia histórica na infância de muitos. Pelos custos elitistas, o português hesita ou é impedido pelos salários e empregos parcos. Seleção obediente a cimeiros interesses económicos tendo em vista lucros crescentes. O homem comparou: _ “ Fosse em Espanha e a costa estaria pejada de hotéis impressivos.” Que não, que em Portugal eram (mal) protegidas reservas naturais. Dei exemplos. Quase batiam palmas.
O casal viera desde a harmoniosa Colónia, percorrera Sul de França e de Espanha, permaneceu no Algarve, os dias últimos em Lagos. Espreitaria a Costa Alentejana e Évora. Do Algarve, em particular de Lagos, opinião do pior. No entanto, estabeleciam diferença profunda com a Grécia onde peregrinaram no ano anterior. Lixo, gentes tristes, pobreza a esmo. Em Portugal, tudo é distinto e garantia o casal confiar na ressurreição económica do país. Inquiridos como viam os alemães Angela Merkel, resposta entusiasta de manifestos apoiantes. Europa forte, defendem.
A estranheza maior relatada foi a quantidade de autoestradas cortando país tão pequeno. Teriam vindo da Europa os euros? _ Que sim, que haviam sido mal aproveitados ao privilegiarem comunicações viárias em vez da educação como faria qualquer novo-rico. Avistado o ferry, despedida. Mágoa pelo diálogo interrompido.
CAFÉ DA MANHÃ
Som da fuga
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros