Segunda-feira, 15 de Setembro de 2014

O BUCOLISMO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E O «CÊODOIS»

   

Susan Hoehn

 

Os portugueses amam a natureza e demonstram bucolismo invulgar que Júlio Dinis, Torga e outros não desdenharam. O mesmo revela o Ministério da Educação ao encerrar escolas (?) e, diariamente, obrigar crianças pequenas a serem enfiadas em carinhas que as conduzam a escolas maiores e afastadas, assim dando aos infantes a possibilidade de viajarem por montanhas e vales duas horas por dia – uma à ida, outra à vinda. Quem duvidar da nossa rendição às peregrinações campestres pelos excessivos níveis lusos do «cêodois» (CO2), erra. À conta disto, os (im)polutos europeus ameaçam Portugal com castigo maior que pau de marmeleiro; porém, atentassem eles nos extremos a que levamos o culto pela Mãe Terra, quiçá arrepiassem caminho.

 

Vejamos: espalhámos pelo mundo, através de ignotas estradas marítimas, descobridores, aventureiros, emigrantes, arbustos, flores, árvores de fruto e de grande porte, bosques. Figueiras, Silvas, Pereiras, Oliveiras, Nogueiras, Roseiras, Uvas, Pinheiros, Castanheiros, Matas. Mesmo insuspeitos Ramos largaram sementes em lugares distantes. Germinaram, resistiram e permanecem. Do engenho e trabalho fizeram armas no brasão que lhes permitiu integrarem-se, em geral, com harmonia nos países de acolhimento.

 

O nosso idílio com a natureza é tradicionalmente semelhante ao de marido ciumento com a mulher que ama: tem-na como sua, considera-a bem de serviço e do uso deixa vestígios. Um piquenique, a queima de matagal em campo agrícola, fumaça de um cigarro na beira de perfumada floresta, tudo serve para mostrar quem ama e domina. Quando o enamoramento termina em fogo e lágrimas, o português matuta, escandalizado, nos prejuízos nacionais e no destrambelhado incendiário. O zaping livra-o da desgraça, que a vida são dois dias, e detém-se numa novela ou numa dança com alguém. Para desanuviar.

 

Depois, há aquela idealização da vida ao ar livre. Gozo que português não dispensa é abrir a braguilha e, virado para um tronco ou arbusto, aliviar-se enquanto, deliciado, expira. Não levanta a perna, mas o resto é como o devido – abanica e arruma. Curiosamente, viver o desejo na praia ou no pinhal é prazer raro com ressalvas: parceira de aluguer ou candidata a affair. Se a necessidade for muita, tenta preliminar, mas tudo pica ou se enfia onde não é devido ou teme «espreita» que se babe com os próprios ou da mulher atributos. Além do mais, o zunido das vespas é incompatível com grunhir à tripa-forra ao som do Emanuel. E quando conduz sem descolar dos oitenta na A1 na faixa central para melhor ver o horizonte, amansada a família tagarela com um “calem-se porra!”, é ecológica a preocupação: ele, família e carro libertam menos «cêodois». O mundo agradece.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:06
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Quinta-feira, 4 de Fevereiro de 2010

MISTÉRIOS DA PRAÇA DE ESPANHA


Ernâni Oliveira – colecção particular


Este lugar ameaça ser, já é?, lugar para meditações superficiais e requentadas sobre o corrido no país e no mundo pequeno que a Teresa C. abrange com ler/ouvir. O ver é diferente: na cidade, travessa e atravessada, regista detalhes grados e miúdos. Aparentes, estes, por ocultarem, mostrando, vidas trágicas ou (des)esperançadas de “gente como nós”.

 

Pelas duas horas após dia meado, deambula na Praça de Espanha. Ao longe e na vez primeira, figura esborratada; braço ao alto. Exibia objecto. No perto, idoso. Samarra coçada. Gola de raposa há muito desfeita em pó na terra. O braço levantado segurava, na mão, saco de plástico contendo meia dúzia de ‘línguas-da-sogra’. Não requeria esmola. Vender, barato, bem que a saudosos das praias d’antanho satisfizesse. Como ele. Origem minhota ou «terreola» do Litoral Norte, suposição. Rosto vincado. Postura digna. Conjecturas outras: transplantado da terra original para meio urbano por conta de filhos entregues ao ganha-pão; reforma pequena.

 

De novo, Praça de Espanha. Sete e quarenta de manhãs mal nascidas. Candeeiros escorrendo luzes no quase desfeito breu. Cinza negro, o carro. Pequeno. Velhice conservada. O relógio pode acertar-se pelo piscar á direita. Fim: estacionamento de terra batida atrás da Comuna. Um minuto de atraso e não se dará pela vida condutora. De onde virá? Acordada desde as seis? Ramerrame quotidiano serra de ilusões (al)quebradas? Entusiasmo por trabalho novo e pontualidade como traço gravado na matriz/personalidade?

 

A Praça de Espanha, tantos sítios mais!, mostra realidades mais ricas que as sustentadas por telas e pincéis. Redutora: o Ernâni Oliveira retrata-as como ninguém.

 

Atentar no folhetim Crespo, isso sim, é falta de assunto. Por hoje, evitei a tentação.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 06:11
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