Pablo Picasso – Bullfight, 1934 Pablo Picasso
Morremos por tudo e por nada. Morremos de fome, de sede, de cansaço, de sono, de vontade, de tédio, de calor, de frio, de dor-de-cabeça e do mais que aqui não cabe pelo tamanho do lençol desta redação. Dos verbos, o «morrer» é, provavelmente, dos mais usados em Portugal.
Finos como alhos da horta, ao declararmos tantos passamentos, é conferida à banalidade o tom dramático que tão bem quadra com o temperamento latino mediterrânico. Excetuo os franceses do sul – na barriga cheia de vento, os melhores - geneticamente cartesianos, podres de chique, para os quais morrer de surpresa é atitude de mau gosto. Improviso de que não conste «finesse» e planeamento tira do sério francês de gema. Acabado o ato fúnebre, como servir aos familiares e amigos do morto dignas trufas fatiadas envolvidas em ovos, escargots comme il faut, bouillabaisse fria à marseillaise se o finado não teve a decência de dar tempo para abastecimento de linguados e camarões?
Na Itália, descendo pela bota, morrer ganha consistência em número e razões – o Vesúvio, o Stromboli e a Sicília ali tão perto, a matriz acalorada dada a paixões compatíveis com ilícitos gravosos legitimam surpresas mortais. Pelo perigo eminente, os italianos habituaram-se ao improviso do post mortem. E saltam dos gavetões lutos como os franceses sacam queijos, tintos e baguetes - a massa destas pode não ter levado a mão de Cristophe Vasseur no “Pain et des Idées” da rua Yves Toudic, mas, ainda assim, diferem do plástico das nossas. Em síntese: os italianos sabem carpir quase tão bem como nós. Não surpreende o gosto das portuguesas por Itália como destino de férias, enquanto os respetivos escolhem Paris. Entendo: nós somos as mais ligeiras no manifesto de morrermos por desconforto.
Em Espanha, o morrer na arena é trivialidade. Os touros finam rodeados de (…)
Nota: texto publicado no "Escrever é Triste".
CAFÉ DA MANHÃ
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