Silva Palmeira
O António Eça de Queiroz que não perde estocada na amável guerrilha editada pela Guerra e Paz, “Porto Versus Lisboa” onde dá réplica ao António Costa Santos enviou-me delícia que seria egoísmo não partilhar. Deslizava ele pela Foz, facto que, por si só, me suscita sentimentos menores como o da inveja, quando lhe pedi autorização para o nomear e fazer cópia do apontamento humorado. Obtive pronto assentimento. O que ouviu, depois escreveu, reza assim:
"O filho do empresário do «Nuorte» apaixonou-se por uma lisboeta e decidiu casar. Muito a medo, foi contar ao pai, temendo a sua reação, por se tratar de uma «moura» de gema. Ao contrário do que esperava, o empresário ficou contentíssimo, prometeu-lhe grande apoio e deu-lhe alguns conselhos:
- meu filho, para começar, vão um mês para Bora-Bora, para o melhor hotel, para mostrar a esses lisboetas que a gente do «Nuorte» tem dinheiro;
- o casamento vai ser no Mosteiro dos Jerónimos para mostrar a esses lisboetas que temos gosto;
- o copo de água vai ser no Hotel da Lapa para mostrar a esses lisboetas que sabemos luxar;
- quando chegares ao hotel para passar a noite de núpcias, vais carregá-la ao colo para mostrar a esses lisboetas que somos uns cavalheiros;
- antes da entrada no quarto, dás-lhe passagem para mostrar a esses lisboetas que somos educados;
- no quarto, tiras-lhe lentamente a roupa para mostrar a esses lisboetas que somos carinhosos;
- quando ela estiver toda nua, “bates uma punheta”, para mostrar a esses lisboetas que não precisamos deles para nada!"
Nota - não me justifico pela transcrição da gíria final. Da hipocrisia e falsos pudores de salão há fartura. Fosse substituída a expressão "masturba-te" e a genuinidade ficaria, hipocritamente, omissa.
CAFÉ DA MANHÃ
Silva Palmeira
Tocou o gongo. Dada ordem de partida para nos anúncios dos jornais ou na rede procurar cursos intensivos da língua falada no império chefiado em Pequim. Urge que os muito novos e aqueles ainda longe da condição de reformados, estes, potencial ou efectivamente, unidades produtivas em exercício, aprendam chinês. A necessidade é independente das «baratezas» vendidas nos chineses de bairro - experimentalmente, é conhecido ser, a custo mínimo, satisfeita precisão súbita de lâmpadas, pilhas, fita métrica ou ‘amigos do senhorio’ para dependurar um quadro. Os donos da nova espécie de comércio local desconfiam de quem entra, olham com o nariz empinado, vigiam qualquer cliente como putativo ladrão. Mal falam - o «tugachinês» apenas serve para acumular maquias. É provável que os pregos fiquem torcidos após martelada inicial, que as lâmpadas, brincalhonas, se apaguem dum momento para outro, que a fita métrica jamais volte à caixa depois de esticada vez só. Ou não, porque no bricabraque, como disfarce, há miscelânea de bom e fraude. «Totochina» é jogo a cada dia da 'crise' mais procurado. Depois, há a nacional faceta de ‘contentinhos’: _ Que se danem os cinquenta cêntimos! Tivesse estacionado no Colombo para comprar no AKI o mesmo e gastaria mais pela lata parada.
A China, suave mas assertiva na matreirice, dominará o mundo – seja lembrado o gigantismo industrial, como defende a sua moeda e recusa valorizá-la mesmo sob pressão conjunta do euro e do dólar. Os senhores de olhos enviesados, através de deliberados sorrisos, espinha curvada e salamaleques, vendem e crescem mais que os grandes da tradição. Comunistas/oportunistas dominam o povo com ferocidade e presenteiam-no pelo silêncio com ocasionais e inocentes liberdades. Na Praça de Tiananmen estão gravadas provas. Mais houve e há.
Desafiar o partido é crime. Dissidentes como o, desde ontem, Nobel da Paz, Liu Xiaobao, tem vida que é testemunho da intolerância comandante. Três vezes prisioneiro por, na essência, defender respeito às directivas internacionais relativas aos Direitos Humanos, somente hoje saberá do prémio pela poetisa sua mulher.
As grades não impedem que voe o exemplo de Liu Xiaobao. Podem ser de aço. Bem chumbadas no cimento. Mas o pensar esgueira-se e viaja, incólume, no mundo.
CAFÉ DA MANHÃ
Silva Palmeira
L. M., bom amigo, propunha-se ler, calmamente, a revista do semanário, refastelado no altar da «casinha». A meio do alívio, abonou-se de papel, largado, após, na cova do altar. Continuada a leitura enquanto mais não chegava, ao desfolhar o papel, fez golpe no dedo. Hipocondríaco, alcançou álcool e algodão, não entrasse “microbicharada” na ferida, talvez infectando, depois, causa duma septicemia mortal. Tratado o golpe, o algodão fez companhia do papel e aos despojos. Aceso um cigarro, continuou a leitura. Lançou a beata para a cova. Deu pela coisa quando traseiro e apêndices passaram de quentinhos a pasto de chama. Levanta-se de supetão agarrado ao essencial, desequilibra-se, bate com o cocuruto na esquina da bancada. INEM, hospital, pudendas queimadas e cabeça rachada. The End.
Livre-arbítrio: “possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante.” Agimos isentos de condicionantes? Determinismo ou liberdade nas escolhas? Neste particular, há muito que a Filosofia anda às turras. Facto é as sociedades resultarem do passado, do presente, de cada um e todos se defrontarem com os resultados das acções.
Defuntos e vivos são culpados da miséria, desemprego, violência. Esta realidade permite a milhões o livre-arbítrio? Por tudo ganha terreno a concepção determinista: todos os acontecimentos resultam de circunstâncias anteriores. Mas não foi o L.M. que decidiu desinfectar a ferida? E fumar? E ler o jornal na «casinha»? Porém, existiu mando interior que não envolveu decidir. É hipocondríaco sem ter escolhido a mania num amanhecer rezingão.
Neste tempo, vinga o “livre-arbítrio compatibilista” (paridade do determinismo com a liberdade de escolhas). E trago uma estória de Voltaire sobre o passarinhar no mundo de um sujeito chamado Cândido incapaz de optar.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros