Sábado, 12 de Novembro de 2011

“TANTOS OVELHOS, MON DIEU!”

 

Gerald King

 

_ “Chuvava, chuvava, chuvava!” Lembro esta exclamação da querida Nadette que, mesmo após muitos anos em Portugal, jamais logrou conjugar verbos e substantivar em escorreito português. Junto às memórias “a minha piquenina toalha”, por isto querendo dizer a luva de banho em pano turco. Francesa, rosto com origem estampada, generosa e compreensiva até mais não poder. Era delícia recebê-la na casa principal da Beira e ouvir-lhe a surpresa perante “tantos ovelhos, mon Dieu!” E era simples, afável, terna, culta, todavia com a omnipresente dificuldade na pronúncia e vocabulário luso. Quando a família quebrava regras de polimento e ria desbragada, ria também e pedia correcção. Para lhe facilitarmos o quotidiano desejávamos falar-lhe em francês. Proibia. A vontade de se desafiar era maior. Respeitávamos.

 

Disciplinada, toda a numerosa família em França, religiosa das “Irmãs Auxiliadoras da Caridade” (Auxiliatrices de la Charité) na altura com casa somente em Setúbal – dali passaria para Famalicão e, mais tarde, Aveiro. Com a idade, voltou ao país de origem segundo as recomendações da 'Ordem' que, de acordo com os respectivos preceitos, as religiosas podem, assim o queiram e aproximados os oitenta anos, regressar à proximidade da família. Proximidade que não significa distância curta, mas o mesmo país. A opção pela ‘família religiosa’ aquando dos votos, obriga a obliterar a família biológica.

 

Por ser religiosa na mesma ‘Ordem’, com a mais velha das ‘meninas Brojo’ acontece o mesmo. Desde há ano e meio em Portugal, após anos muitos em França onde exerceu apostolado, não lhe é permitido ir para Lisboa viver onde toda a pequena família genética se concentra. Terá de permanecer em Coimbra, próxima da comunidade de Aveiro também por obscuras razões de partilha. E chora com os oitenta e um prestes a completar, sofridos por doença incurável e degenerativa, por ficar isolada em lugar onde arrisca ser visitada com tempo contado uma vez por semana, pela Palmira, irmã superiora da comunidade de Aveiro, sede única da ‘Ordem’ em terra nossa. Fica isolada da irmã, da sobrinha, dos outros afectos a quem se dá e lhe dão amor e tem possibilidades de a vigiar clinicamente. Alternativa: pedir dispensa dos votos ao Vaticano, abandonar a vida religiosa. Mas prefere o sacrifício doloroso a que é obrigada, a renegar um sim juvenil pelos imperativos incompreensíveis para com uma mulher que sempre foi dádiva, exerceu desde jovem apostolado em condições difícieis, e sempre disse: _ “Na vida que conta fui freira. Assim continuarei até Deus me levar.”

 

Desde 5 de Setembro, até hoje – intervalo de tempo de permanência na “Unidade de Saúde de Coimbra” -, jamais foi convidada(?) a visitar a comunidade portuguesa. Denuncio o acto cruel de a manter só, ciente da imoralidade que constitui.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 00:25
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