Patricia Rachidi
Deixo à consideração de todos o testemunho da Sara, filha do Joaquim Fidalgo, jornalista. A mãe, professora de inglês, suicidou-se.
“Carta a professores, alunos, pais, governantes, cidadãos e quaisquer outros que possam sentir-se tocados e identificados.
As reformas na educação estão na boca do mundo há mais anos do que os que conseguimos recordar, chegando ao ponto de nem sabermos como começaram nem de onde vieram. Confessando, sou apenas uma das que passou das aulas de uma hora para as aulas de noventa minutos e achei aquilo um disparate total. Tirava-nos intervalos, tirava-nos momentos de caçadinhas e de saltar à corda e obrigava-nos a estar mais tempo sentados a ouvir sobre reis, rios, palavras estrangeiras e números primos.
Depois veio o secundário e deixámos de ter “folgas” porque passou a haver professores que tinham que substituir os que faltavam e nós ficávamos tristes. Não era porque não queríamos aprender, era porque as “aulas de substituição” nos cansavam mais do que as outras. Os professores não nos conheciam, abusávamos deles e era como voltar ao zero. Eu era pequenina. E nunca me passou pela cabeça pensar no lado dos professores. Até ao dia 1 de Março.
Foi o culminar de tudo. Durante semanas e semanas ouvi a minha mãe, uma das melhores professoras de Inglês que
conheci, o meu pilar, a minha luz, a minha companhia, a encher a boca séria com a palavra depressão. A seguir vinham os temores, as preocupações, as queixas de pais, as crianças a quem não conseguimos chamar crianças porque são tão indisciplinadas que parece que lhes falta a meninice. Acreditem ou não, há pais que não sabem o que estão a criar. Como dizia um amigo meu: “Antigamente, fazíamos asneiras na escola e quando chegávamos a casa levávamos uma chapada do pai ou da mãe. Hoje, os miúdos fazem asneiras e os pais vão à escola para dar a dita chapada nos professores”. Sim, nos professores. Aqueles que tomam conta de tantos filhos cujos pais não têm tempo nem paciência para os educar. Sim, os professores que fazem de nós adultos competentes, formados, civilizados. Ou faziam, porque agora não conseguem.
A minha mãe levou a maior chapada de todas e não resistiu. Desculpem o dramatismo, mas a escola, o sistema educativo, a educação especial, a educação sexual, as provas de aferição e toda aquela enormidade de coisas que não consigo sequer enumerar, levaram deste mundo uma das melhores pessoas que por cá andou. E revolta-me não conseguir fazer-lhe justiça.
Professores e responsáveis pela educação, espero que leiam isto e acordem, revoltem-se, manifestem-se (ainda mais) mas, sobretudo e acima de qualquer outra coisa, conversem e ajudem-se uns aos outros. Levem a história da minha mãe para as bocas do mundo, para as conversas na sala dos professores e nos intervalos, a história de uma mulher maravilhosa que se suicidou não por causa de uma vida instável, não por causa de uma família desestruturada, não por dificuldades económicas, não por desgostos amorosos mas por causa de um trabalho que amava, ao qual se dedicou de alma e coração durante 36 anos.
De todos os problemas que a minha mãe teve no trabalho desde que me conheço (todos os temos, todos os conhecemos), nunca ouvi a palavra “incapaz” sair da boca dela. Nunca a vi tão indefesa, nunca a conheci como desistente, nunca pensei ouvir “ando a enganar-me a mim mesma e não sei ser professora”. Mas era verdade. Ela soube. Ela foi. Ela ensinou centenas de crianças, ela riu, ela fez o pino no meio da sala de aulas, ela escreveu em quadros a giz e depois em quadros electrónicos. Ela aprendeu as novas tecnologias. O que ela não aprendeu foi a suportar a carga imensa e descabida que lhe puseram sobre os ombros sem sentido rigorosamente nenhum. Eu, pelo menos, não o consigo ver.
E, assim, me manifesto contra toda esta gentinha que desvaloriza os professores mais velhos, que os destrói e os obriga a adaptarem-se a uma realidade que nunca conheceram. E tudo isto de um momento para o outro, sem qualquer tipo de preparação ou ajuda. Esta, sim, é a minha maneira de me revoltar contra aquilo que a minha mãe não teve forças para combater. Quem me dera ter conseguido aliviá-la, tirar-lhe aquela carga estupidamente pesada e que ninguém, a não ser quem a vive, compreende. Eu vivi através dela e nunca cheguei a compreender.
Professores, ajudem-se. Conversem. E, acima de tudo, não deixem que a educação seja um fardo em vez de ser a profissão que vocês escolheram com tanto amor. Pensem no amor. E, com ele, honrem a vida maravilhosa que a minha mãe teve, até não poder mais.”
Sara Fidalgo
CAFÉ DA MANHÃ
Mudando de assunto ou talvez não.
Amelies Welt
Não fosse ter sido aluna do Infanta D. Maria em Coimbra talvez o título da notícia que remetia para a escola secundária tivesse sido lateral à atenção. Li atenta, habituada ao que tudo vem dali ser relativo a ensino exemplar e posição cimeira nos rankings de sucesso nacionais. Mas não - duas professoras de Biologia suicidaram-se em menos três semanas. Corpo docente e discente, assistentes operacionais optaram por minuto de silêncio.
Sabido é que o exercício de professorado desmente expectativas de trabalho adequadas à função. Os desmandos impostos sob forma de lei que, despudorados, desmentem o outrora garantido, as condições para o labor, o desinteresse dos alunos sem relação com o desempenho do professor, a tonelagem de carga burocrática, propiciam a insatisfação docente. Sem adivinhar razões para atitudes tão extremas, um todo é motivo. Todavia, interessaria esmiuçar causas que, profilacticamente, tragédias semelhantes prevenissem.
Lembro, galhofeira, a época da Maria dos Craveiros - a espiã-mor ao serviço da reitora. Solteirona rígida no pensar, rígida no estar e sabem os deuses onde mais, vigiava comportamentos e audácias que nos aproximassem da cerca onde passavam alunos do liceu masculino. Duzentos metros, era a distância imposta. Chegado o tempo cálido, ou usávamos soquetes, ou beliscava as pernas das alunas para estar segura do cumprimento das regras que mandavam usar meias. De vidro, era dito, ou collants transparentes. Nos corredores do Infanta, a esquerda era para quem vinha dos ginásios, a direita para quem ia. Mulherio adulto e juvenil por todo o lado – ilha na sociedade. Os pais sossegavam por saberem as meninas entregues a boas práticas no ensino e melhores(?) costumes. Quem fora não tivesse envolvimento saudável, saía do Dona Maria para a faculdade como idiota de truz. Aconteceu comigo.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros