Vladimir Eric
Sentiu-se aia de renovada casa real. Açafate de flores na mão. Avental de fina e alva cambraia. Gola e punhos de bordado inglês. Algodão no vestido engomado. Sapatos rasos de biqueira redonda em feltro preto. Crista de imaculado apuro. O cabelo esticado, preso atrás, sublinhava asseio. Alternando o peso de um pé para o outro. Em bicos de pés, a meio da fila dos funcionários da casa real, a espera da chegada de Suas Majestades.
Pensou excessiva a imagem descrita: ama? Por quem te tomas? No mínimo, duquesa, que condessa soa a burguesia promovida. Até porque, ao tempo, aia rosada na face e jeito prestimoso mal à cama ia. E se lhe pesava a fadiga... Repensou. Preferiu a sociedade vitoriana e abrir ao mundo a lady nela oculta. Que esta coabitação se distinga da animosidade entre Lily e Nina no filme de Darren Aranofsky, “Cisne Negro”.
De volta à lady que no diário se expõe. Corpo debruçado na secretária à medida, suspendeu a caneta e contemplou, meditativa, o jardim visível da porta-janela. Escrevera: “O Senhor Meu Marido jurou, em protocolada cerimónia, fidelidade à pátria que a partir de ontem representa. Dia pesado que os pés de ambos fizeram inchar. No parlamento, a coberto do varandim, sapatos descalços, ginastiquei os dedos dos pés. Só o fiz na certeza dos olhares nada quererem com eles e do bom estado em que a Elvira os deixou para a ocasião. E se ela me conhece os calos sob as unhas e o do dedo segundo no pé esquerdo... Não houve protocolo que me convencesse a aumentar o salto. Fui mulher avisada. Não obstante, amanhecido hoje o dia, ainda dos calcanhares me ressinto. Apanho do fio a meada: o Senhor meu Marido, para lá de bom homem e pai, presenteou-me com inúmeros agrados e destaques ao serviço do país. Se muitas foram as alegrias, como a de ontem, nenhuma! Entrar no palácio honrada por guarda e fanfarra, passar vistoria à meia centena de rostos curiosos e serviçais do pessoal que doravante nos cuidará, comoveu. Salvé, Marido!”
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros