Ia alta a tarde. Da sacada, vista próxima e longínqua: os telhados do casario alcandorado na colina, o recorte da baía, a fusão de azuis puros que cedros e robustas palmeiras intervalam.
Descendo o olhar, em ambos os lados são base da pintura pinheiros mansos, árvores e trepadeiras viçosas. As gaivotas ondulam as asas com a elegância da espécie, soltam piados, pousam nas telhas, nos muros. De novo, o ar marítimo as atrai e desaparecem no azul.
As ruelas curvilíneas que desembocam no mar desdobram surpresas. Bordejam-nas inusitados enfeites, chamativos para o estrangeiro passante. Entrando nas sombras que talham, é esquecido o calor. A pele refresca, o espírito agradece.
Azuis sempre em qualquer canto da cidade histórica. Escadas e corrimões resplandecem cuidados. Os brancos debruados a cinzento esmaecido sublinham redondos de arquitecturas com séculos, lugares de culto as mais das vezes. Distraído é quem não parar e por ali fornecer alimento à fantasia do que terão sido, quem ontem dirigiu e hoje dirige preces ao Senhor. Quais as graças concedidas, quais as aflições nomeadas na terra de pescadores.
Será que o badalo do sino na torre modesta anunciou demasiadas tragédias que vitimaram os lavradores do mar? Tê-lo-ão acalmado as tecnologias pesqueiras e a pequenez da frota que por ora lança redes?
As escadas e seu corrimão, o empedrado gasto. O ocre da moldura, o leão que falsamente vigia o ferro das largas portadas por onde entra quem for da casa ou vier por bem.
Calçada portuguesa, abóbadas encimando túneis que apetecem aos peregrinos. Transitam da quentura do estio para a acalmia do corredor sombrio. Toldos prolongam o finito tecto abobado. Verdes carnudos suportam, corajosamente, a hora máxima do calor.
O mural exótico pelo arrojo e vivacidade das cores disfarça alumínios apressados. Raros, Deo gratias. O bom gosto ainda habita o lugar.
Detalhes. Podem ser julgados quase nada, mas constituem testemunhos de séculos e décadas e presente. Ignorá-los é fácil. E o perdido se registo não provar a andança num qualquer dia ao remexer o baú das memórias?
CAFÉ DA MANHÃ
G. Boersma, Ross Watson
Estudos internacionais provam duas características fundamentais dos portugueses: péssima relação com o tempo e com o sentimento de culpa. O ‘agora’ traduzimos por ‘amanhã’, a culpa é enxotada para quem estiver a jeito. Ambas responsáveis pela reduzida produtividade, pelo desejo e encosto a um Estado-Providência zelador e, de todos, procurador que estenda a bandeja das necessidades satisfeitas, nos substitua no empreendedorismo, alije de cada um a culpa se o caminho entortar.
Tomemos como exemplo a falência duma empresa. No Japão, nos Estados Unidos, é tida por consequência dum erro colectivo que engloba a entidade gestora e os trabalhadores. Por todos os intervenientes é feita a análise crítica da situação. Detectadas as falhas dos diferentes sectores. Em Portugal, o culpado é o dono colectivo ou solitário coadjuvado pelas estruturas cimeiras; os assalariados com menor grau de diferenciação dizem-se vítimas, bem como os eventuais credores. Um dos vértices trágicos é, recorrentemente, estes últimos continuarem a fornecer bens ou serviços mesmo sabendo que a empresa, se nacionalizada melhor, caminha para a ruína. Confiam uns e outros no Estado-Providência que, com o suor de todos os portugueses, os indemnizará do risco voluntário. Por outro lado, a nossa gestão empresarial soe não apreciar transparência da contabilidade e das situações correntes que mantenham conscientes os trabalhadores. Prefere a ditadura do silêncio, do mistério/recurso de usos e abusos. As abissais diferenças de salários entre empregadores e empregados constituem parte dos motivos desculpabilizantes que os demasiado mal pagos alegam. Desta, com razão.
Alguém mais sabedor dos meandros labirínticos das micro e macro economias me avalie o arrazoado e aponte os logros/tropeços. Adianto: experimento sentimentos progressivamente mais reles contra as excessivas mordomias dos excessivos príncipes sociais.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros