Alberto Vargas
Eram cinco. Rostos erguidos, nariz praticamente na vertical. A isso os obrigava a pouca altura. Na curva do passeio, entre dois acessos a vias rápidas, destacavam-se. E olhavam. Miravam e comentavam. Remiravam, depois. Das alturas não arredavam os olhares. Parada no semáforo atrás deles, pertencia-lhes a minha atenção. O conjunto contemplativo interrompia a pressa urbana. Na tarde dormente, a implacável hora de ponta cadastrava quem não lhe cumpria o ritmo. Como eles. Como eu.
Cinco miúdos adolescentes: doze, treze anos, não mais. Gangas descaídas, polares com capuz, mochilas em corcunda incómoda. Entremeavam silêncio e fala. Embasbacados, comentavam o conteúdo do outdoor publicitário. Por isso esticavam a coluna e inclinavam para trás a cabeça. Lá em cima, como divina aparição, uma mulher reclinada com langor e sumária lingerie. Encarnado - cor voluptuosa sugerindo interditos, em hipótese última, Natal. O branco na grinalda enfeitava comprido e loiro cabelo, pompons nos chinelos provocadores. E os projetos de homens, cá em baixo, apreendiam a lascívia que da mulher emanava e fazia caldo ebuliente com as hormonas juvenis.
Inesperada imagem interrompendo a, dos outros, corrida tardia. Um outdoor revelando publicamente o fascínio de uma mulher. Sugerindo ideal adulto, desejo de aprender e crescer e ser homem que a tivesse nos braços, com ela aprendendo na quentura da carne a concretização do desejo sexual. Nos veículos parados, poucos se detinham na figura elevada - aos mitos urbanos estavam habituados e sabiam quanto deles a vida os afastava. Os miúdos não. Ali, num empedrado da cidade, possuíam a mulher, a tarde, o futuro.
CAFÉ DA MANHÃ
Julia C. R. Gray – Her Mothers Hands Laura Heaney – Washing Hands, Self-Portrait
Mãos/livro, mãos/disfarce, mãos. Do trabalho, revelam calos – enxós e enxadas endurecem a pele como uso de pasta com quilogramas em dossiês; diferentes as zonas coriáceas, idêntico o labor como razão. Unhas castigadas são testemunho de vida carregada de esfregões, óleos, terra, giz. E de mais: que lutam e renegam o ficar no regaço em calmaria indiferente se os dias tremem. Quando brilhantes pelo verniz, apenas contam arranjo recente. Mas é através da pele que o escondido fala. Se rugosa e manchada, conta idade ou envelhecimento prematuro por culpa do esgalhar quotidiano ou da falta de cuidado. Áspera e feminina, delata lixívias, detergentes, roupa torcida com esmero, agulha de quem costura ou cose peúgas, desinfeção frequente que creme não trata. Soe mentirem as mãos quando observadas levianamente. Precisam do complemente do olhar e da fala e do pensamento nela expresso para mais dizerem – o trajar é falácia que convém manter arredia. Fossem organizadas duas carreiras, uma com fotografias de mãos desligadas do contexto e noutra, rol de profissões, é de duvidar jackpot no acerto de ‘lé com cré’. O gesticular ajuda a abrir a página certa do dicionário das mãos. Mãos quietas que não condigam com emoções transmitidas alvitram suspeitas da autenticidade no sentir, contenção ou cartesianismo exacerbado. Mãos agitadas quando o relato é sereno, denunciam incoerência entre a paz aparente e o turbilhão interior. Suscitam curiosidade sobre o ausente no narrado. Manda o bom senso e o respeito pelo outro evitar perguntas, salvo se evidente a necessidade de aliviar carga que amachuca quem discorre. Ainda assim, com cautela, não quebre o cristal íntimo. Motores da «psi» também, escolhidos os instantes, necessitam de empurrão que os façam entrar no andamento preciso ao dono ou ao servo ou a ambos à vez, à vez.
CAFÉ DA MANHÃ
Autor que não foi possível identificar
Neste país, delapidado e «troikiado» o bastante, bolsos rostos na vasta maioria do povo que ao mau estava habituado e o péssimo agravou. Impostos e custos em crescendo encavalitam-se nos castigados desde sempre, agora, como lapas que não despegam da classe média de outrora. Mas é Verão, o Sol aquece corpos e almas e dilui aflições. O regresso ao quotidiano difícil somado às chuvas outonais, à queda das folhagens caducas que deixam nus troncos e seus ramos, abrem carreiros nos espíritos onde fluem, à solta, desesperança, tristeza.
Quem a fortuna bafejou com hortas, leiras, quintas ou casas rurais mais terreno em volta, que as conserve. Vendê-las a troco de parcas lentilhas em tempo de penúria, salvo urgências inadiáveis, é desassisado. Pelo desemprego ou pela carestia dos bens e serviços nas cidades grandes, “dar às de Vila-Diogo” para trabalho honroso na terra herdada onde cresceram raízes da matriz individual, lograr agricultura de subsistência e poupança de dinheiros, havendo possibilidade, revela tino, olho comprido que o longe descortina.
Erra quem julga os pequenos centros urbanos do interior desprovidos de escolas com qualidade, de instituições e serviços eficientes, do mexer da cultura, todos ao dispor do cidadão. Nos povoados escondidos, as Juntas de Freguesia tentam que a terra progrida, servem e encaminham os aldeões para vilas e cidades próximas abonadas em recursos inexistentes no lugar. O direito aos cuidados de saúde é o mais esquecido. Na poupar falso e indiscriminado, têm sido esvaziadas extensões dos Centros de Saúde indispensáveis aos rurais. A suposta economia não melhora os cuidados necessários a todos, antes é traduzida em gastos à «fartazana» que abarrotam as carteiras de alguns. Triste sina! Dão com a passividade de gentes sofridas... Mas dia virá em que tão injustamente apertados os cintos, a indignação, aos brados, romperá do silêncio o ruído.
Maria João Pires procurou regaço nos arrabaldes de Castelo Branco e durante tempo largo por ali criou estrutura musical e doutras áreas performativas. Não cultivou nem viu crescer primícias vegetais pelas suas mãos plantadas. Mas quem, como ela, génio possui, do cérebro descido até à ponta dos dedos que no piano desbravam acordes, cultiva arte em terras da Beira Baixa. Zanga viria depois. Justa ou nem por isso é valoração de cada um que se arroga o direito de condenar e absolver outrem como sendo imune à humilde condição de humano.
Nas encruzilhadas de enganos todos caímos, mais do que a devida conta nos perdemos. E são proveitosos os logros – permitem repensar, crescer, ir adiante, aumentar a tolerância. Ora, acontece que imperfeições «perfeitas» caracterizam a maravilha de ser pessoa auto-crítica e atenta.
CAFÉ DA MANHÃ
A Z Rainman, K. Madison Moore, autor que não foi possível identificar
Entre os humanos, alguns constatam influências no comportamento pelo mover da Lua. Ontem, o eclipse do nosso satélite, repetido em Dezembro deste ano, pela certa baralhou psiquismos vulneráveis às conjugações da estrela solar com os movimentos lunares. Uma maçada depender dos astros para humores e atitudes! Pior seria adição a químicos condicionantes de raciocínios. A Lua merece confiança pela naturalidade da coisa, conquanto qualquer subordinação a extras, é sabido, inspire reservas.
Humor canino, clausura das emoções, racionalismo mais duro que gelo, algumas consequências das órbitas do satélite terrestre em estares pessoais sujeitos às leis matemáticas que servem a a Física. Felizmente, preservo independências astrais, ou, num oito, ficaria torcido o meu pensar lógico. Bem me chega o mapa de emoções que guerrilha atitudes determinadas pelo pragmatismo indispensável à matriz nascida e apurada com a mulher após forma(ta)da em ciência e mais!
Espreitar por telescópio confusas modificações alaranjadas da lua ao pôr-do-sol, dispenso. Prefiro observar e entender reacções humanas, incongruências, coerências, fragilidades. Motivam-me ternura, dedicação a causas e sentimentos extensos.
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Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros