Schadenfreude: a alegria de ver o outro tramar-se. A palavra é alemã (todas as palavras exactas são alemãs ou, se não são, deviam sê-lo) mas o sentimento é português. Ou melhor, não é português, porque os portugueses estão divididos. Há os que acham bem que a Grécia «leve uma ripada que é para aprenderem», aos quais eu chamaria, com carinho, os fachos; e há os que desejam que esta revolta dê resultado (os comunas). Na verdade, é óbvio que nem uns são «fachos» nem outros são «comunas», trata-se de uma simplificação abusiva. Só que, em tempos de crise, é fatal como o destino as posições extremarem-se. Sobretudo nesta crise, que não deixa espaço ao meio e nos empurra a todos para um lado ou para o outro.
Por facho eu entendo aquela adesão sensata (com uma sensatez muito “masculina”) à lógica dos ai-aguenta-aguenta, dos não-há-dinheiro, da adesão automática às “leis do mercado” e à nova ordem económica. O comuna… quantos de nós não temos uma sensação de déjà vu com esta revolta grega? Houve no século XIX uma coisa chamada Comuna de Paris e foi sumariamente esmagada, não é? Ah, pois é.
Devo ter sido dos poucos que não se indignou com a metáfora do meu colega José Rodrigues dos Santos quando, no exercício da sua outra profissão, disse que isto agora na Grécia era um pouco como os pinguins: um caiu ao mar e os outros ficam a ver o que lhe acontece, se é ou não comido por uma foca-tigre. Porque acho que, com esta imagem, ele não estava a gozar com os gregos mas sim a criticar os portugueses. Se o fez com intenção já não sei, mas o que disse é acertado: nós, portugueses, somos mesmo os pinguins que, cautelosamente, ficam a olhar se a foca-tigre estraçalha a Grécia. Uns pinguins-formiga, se quiserem.
E, infelizmente, aqui o facho-amante-de focas-tigre-que-há-em-mim diz-me ao ouvido que o Syriza tem de falhar. Só pode. Porque a foca-tigre não tem alternativa senão punir exemplarmente o atrevimento, para os outros pinguins ganharem juízo e aprenderem de vez a ficar quietinhos. Ou já a cigarra-pinguim tem catarro? Imagine-se que o novo governo grego tem sucesso. Seria uma tragédia. Com que cara ficariam o FMI, a Troika, a Alemanha, as privatizações a martelo, os sucessivos apoios à banca-coitadita, o BES, o BPN, o comissário europeu Carlos Moedas, o saudoso Gaspar? E isso, sei-o porque não nasci ontem, não é tolerável. A princípio, acredito genuinamente que nem haverá grandes sabotagens. Os fãs da foca-tigre acreditam mesmo que o Syriza vai ser incompetente. Mas supondo que os gregos até conseguem pôr o barco a navegar, aí o jogo será a sério. E será contra gente que não gosta de perder, nem a feijões.
A Grécia tem de falhar. A bem da realidade. Qual realidade, perguntareis. Ora bem, a única realidade homologada pelas melhores marcas de máquinas. Aquela onde a destruição do tecido social e da Europa social-democrata é a única opção possível. E, ah, sensata.
“Cinderella and the Birds” by Scott Gustafson Ria Hills - “Tiny Pumpkin”
A palavra, ou sigla ou o quer que seja “troika” sempre me remeteu o imaginário para madrasta perversa como no conto “Cinderela” ou “Gata Borralheira”. Este, parece ter origem num conto italiano popular de seu nome “La Gatta Cenenterola” que no XVII Charles Perrault adaptou. Os irmãos Grimm terão bebido inspiração desta última fonte para recontarem o conto. Se no de Perrault não existia fada-madrinha que protegesse a donzela enjeitada, os Grimm acrescentaram-na. Alguns interpretam esta personagem como o espírito da falecida mãe de Cinderela, responsável pelo magnífico vestido de baile que alindou a filha.
Ora, no caso português, a alma materna «abensonhada» ao estilo de Mia Couto esqueceu a lusa filharada. Assim sendo, ficámos entregues à malvadeza da figura que no conto de Perrault acaba com os olhos furados por pombos competentes. Idêntico final para as filhas da madrasta. Possuindo nós pombos em bandos intermináveis, suponho-os distraídos no espalhar dejetos sobre ruas e monumentos que delapidam. Pecado sem remissão. Mas houve baile. E bailámos, bailamos e bailaremos. Sem príncipe redentor, é certo. Os sapatos de cristal, o vestido da Cinderela acabaram penhorados. Como de nós o futuro. Mas ficámos com a abóbora. Abóbora!
Só para esquecer (des)graças como o elogio dos baixos salários por Belmiro de Azevedo e a elevada taxa cipriota sobre poupanças em depósitos bancários superiores a cem mil euros. Vale a maioria pertencerem a fortunas russas.
"Um terrorista vem no voo Bruxelas-Lisboa com o plano de fazer explodir o avião. Depois vê que em executiva vão os representantes da Troika, hesita, sorri e tira o dedo do botão."
"Nano conto. O marido, homem rico e dado à política, apresenta-a ao amigo. Ela é agora uma mulher de trato e requinte, mas ele reconhece-a de imediato, e o passado de libertinagem regressa-lhe à memória. - É um prazer, diz ela. - O prazer foi todo meu, diz ele."
Sexta-feira Santa – dia da paixão de Cristo. A paixão seja por uma causa, um ser, um trabalho engrandece os dias.
Faz um ano o apelo à ‘Troika’. O nosso calvário, antes vero mas oculto, começou, despudorado, aí. Sem final à vista exceto nas aldrabices confusas dos governantes que sendo não o sabem ser.
Neste tempo de lazer, ouvir, ler e ver os ‘clássicos’ do nosso tempo e de idos nem sabemos o bem que fazia!
Borrasca em cima, choveu e granizou. Deixaram-me feliz no meu casulo.
CAFÉ DA TARDE
Rodrigo Leão, Adriana Calcanhotto e múltiplos mestres da pintura fazem parte do meu desejo de boa tarde para todos.