José Malhoa – “O Ateliê do Artista” José Malhoa – "Conversa com o vizinho", 1932
Em cada trinta segundos na União Europeia, por cada dois casamentos um acaba em divórcio. Em Portugal, um terço dos casamentos é dissolvido, setenta e cinco por cento dos quais a pedido da mulher. Não me pronuncio sobre a possível inquietude dos números - a rapidez das mutações sociais não ajuda ao distanciamento e à objetividade da análise. Tendo o meu leque de certezas duas varas - a vida e a morte -, o das convicções é mais abonado. Entre elas, a de subscrever reflexão dum amigo: “Nenhuma convivência prolongada se fundamenta e apoia em grandes amores! Nem preponderantemente nisso. Imagina o desconforto e o desconsolo que me causa o facto de estar repetidamente a constatar que centenas de pessoas que conheço ou de que tenho notícia, sofrerem do mesmo mal - a teimosia de confundir afetos com arranjos e a teimosia em apoiar as convivências nos amores sexuados, excluindo ou relegando, em importância, outras qualidades da pessoa próxima?
Porque as sociedades são dialéticas, a Áustria engendrou a primeira “Feira do Divórcio”. Há que responder a novas realidades, foi o entendimento, fosse pelo lucro ou pelo auxílio às gentes enrodilhadas em fraturas matrimoniais. Pelo que soube, aquilo esteve à pinha de advogados prestimosos, agências de viagens para os solitários, imobiliárias, detectives, laboratórios para testes de paternidade, organizadores de festas da libertação. Um delírio.
Longe vão os tempos em que um par casava sem pensar no rompimento do laço. Hoje, dizem profilática a prevenção de inúmeros detalhes. É o tempo do pragmatismo nos afetos. Louvo a racionalidade, dói a desesperança implícita. Ou talvez nem seja nada disto e apenas lixiviar as nódoas que podem conspurcar o contrato, que as da alma não há feiras ou detergente que eliminem.
Lembro frase ouvida: “Conheço pouca gente tão feliz como alguns recém-divorciados”. Acrescento: e antigos e solteiros e muitos casados e numerosos em uniões de facto. Porque a felicidade não começa nem acaba por num papel ficar assinatura prantada, recito improvisação d’alguém:
“A Leonor casadoira ficou sem o esposo e já não oira
É das que conheço muitas
são mulheres 'd'um homem só'
enquanto duram as paixões
ou não desfazem o nó
dedicadas mais qu'as demais
aos interesses qu'as norteiam
boas sócias
são leais até ao dia em qu'as coisas reais
fecham negócio! qu'amores campeia”
CAFÉ DA MANHÃ
Chamaram a Lady Lovelace ( 1815 - 1852 ) a feiticeira dos números. Filha de Lord Byron e de Annabella Millbanke, ambos providos de talentos inquestionáveis: na poesia, o pai, na matemática, a mãe que a criou sozinha e com desvelo. Fez dela menina exemplo no porte e na educação abrangente.
O sortido de privilégios, nomeadamente do intelecto e sociais, permitiram-lhe contato com personalidades maiores da época, alguns reconhecidos matemáticos. A curiosidade induziu-a a sólida formação científica e ao interesse pela máquina analítica de Charles Babbage. Este viria a convidá-la para traduzir e dar sequência à obra de Luigi Menabrea sobre a invenção. Sem tardança (1842), Ada expandiu os conhecimentos e escreveu vários artigos. Ficou conhecida como a inventora da programação de computadores.
O seu legado, modelo para meninas e mulheres jovens, considerando carreiras em tecnologia é lembrado no Dia Ada Lovelace, dedicado à celebração das conquistas das mulheres na ciência e tecnologia. A comemoração tem início em Kiribati, o país mais a este no mundo, e continua durante cinquenta horas até terminar na Samoa Americana.
Hoje, em que a União Europeia recebe o Nobel da Paz, é solicitado ao Comité Nobel que em 2013 o prémio seja atribuído à jovem ativista paquistanesa Malala Yusufzai. Por atentado talibã, Malala quase pagou com a vida a luta pelo seu direito a frequentar a escola, bem como semelhante para milhares de crianças do seu país - do sexo feminino as mais atingidas. Que assim seja. Ada Lovelace aplaudiria.
CAFÉ DA MANHÃ
Mati Klarwein
A Bélgica prova o improvável: desde há um ano, vive de modo relativamente tranquilo sem primeiro-ministro ao comando. Dedução imediatista: as redes políticas tradicionais são dispensáveis para os cidadãos ainda que repartidos por regiões e línguas – flamengo, francês e o minoritário alemão. As estruturas hierárquicas funcionam por si próprias, uma vez que Sua Majestade, o rei, apenas acumula postura decorativa com funções extremamente limitadas de Chefe de Estado. Não pinta, nem manda no essencial.
Todavia, a realidade vai além. Na ausência de entendimento entre os partidos mais votados para formação de governo, por tal omissas reformas internas, a dívida belga cresce sem parança – o terceiro país mais endividado da Europa, ocupando a Grécia lugar cimeiro. Maçada que aos belgas aflige sem que o quotidiano reflicta angústia existencial.
Lembrando ter a Bélgica participado de modo determinante na fundação da Europa Unida e nela hospedar sede da Comunidade, adivinho sinal que preside ao futuro dos vinte e sete e à organização política do mundo. Sem bola de cristal é tentador deduzir que estando o Reino Unido nas lonas, a Alemanha em desnorte eleitoral, a Itália entalada em dívidas vultuosas, a França como é sabido, ou o Durão se revela duro de roer e engendra arca de Noé que a Europa salve do naufrágio, ou, caso contrário, o mundo económico-financeiro como o conhecemos desaparece num ápice. Alguns dos centros poderosos deslocar-se-ão para outros países/leme: China, Japão, quiçá a Austrália no hemisfério Sul. O Brasil, a continuar o deslumbre pelo acesso fácil ao dinheiro de plástico, não tarda, regredirá - os europeus fizeram o mesmo e deu no que deu.
Ciclo da humanidade a cujo dealbar assistimos. Talvez fim das democracias ocidentais, talvez princípio duma nova ordem mundial.
CAFÉ DA MANHÃ
Belgas, pois então!
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros