Quinta-feira, 18 de Junho de 2015

EÇA E O VERBO ‘SURDIR’

Van Gogh - Wood Gatherers in the Snow.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Van Gogh - Wood Gatherers in the Snow

 

 

 

Em pelo menos dois momentos da “Cidade e as Serras”, o Eça usa o verbo surdir. Uma das vezes é no capítulo 10º quando Zé Fernandes, em vésperas de regressar a Guiães, anuncia a Jacinto duas semanas de água e a serra toda a escorrer. Zé Fernandes percebera o vento de sudoeste e gralhas a grasnar pelos soutos em redor de Tormes.

Foi quando surdiu por detrás da parede do alpendre, um rapazito muito rotinho, muito magrinho a quem Silvério há-de enxotar como se fora um pássaro enquanto explica a Jacinto que o achara muito amarelo, doente e enfezado sendo a razão daquele aspeto muita miséria: _ Quando há um bocadito de pão é para muito rancho. Fomezinha, fomezinha.

 

 

 

Temos pois no capítulo décimo a palavra surdiu e já há a temos antes quando entrados de comboio em Portugal Zé Fernandes interpela o amigo: _ Acorda, homem, que já estás na tua terra!

“Jacinto desembrulhou os pés do meu paletó, cofiou o bigode, e veio sem pressa, à vidraça que eu abrira, conhecer a sua terra.

_ Então é Portugal, hem?... Cheira bem.

_ Está claro que cheira bem, animal!

A sineta tilintou languidamente. E o comboio deslizou, com descanso, como se passasse para seu regalo sobre as duas fitas de aço, assobiando e gozando a beleza da terra e do céu.

Destapamos o cesto de D. Esteban de onde surdiu um bodo grandioso, de presunto, anho, perdizes, outras viandas frias que o ouro de duas nobres garrafas de Amontilado, além de duas garrafas de Rioja, aqueciam com um calor de sol Andaluz. (…)

 

 

Jacinto confiava ao amigo: _ Vamos lá ver que cozinheiro me arranjou o Silvério. Eu recomendei que fosse um soberbo cozinheiro português, clássico. Mas que soubesse trufar um peru, afogar um bife em molho de moela, estas coisas simples da cozinha de França!... O pior é não te demorares, seguires logo para Guiães...

 

 

A sineta repicou... E com um belo fumo claro o comboio desapareceu pôr detrás das fragas altas. Tudo em torno pareceu mais calado e deserto. Ali ficávamos pois baldeados, perdidos na serra, sem Grilo, sem procurador, sem caseiro, sem cavalos, sem malas! Eu conservava o paletó alvadio, de onde surdia o Jornal do Comércio. Jacinto, uma bengala. Eram todos os nossos bens!

O Pimentão arregalava para nós os olhinhos papudos e compadecidos. Contei então àquele amigo o atarantado trasfego em Medina sob a borrasca, o Grilo desgarrado, encalhado com as vinte e três malas, ou rolando talvez para Madrid sem nos deixar um lenço...

-Eu não tenho um lenço!... Tenho este Jornal do Comércio. É toda a minha roupa branca.

Grande arrelia, caramba! – murmurava o Pimenta, impressionado. – E agora?

-Agora – exclamei – é trepar para a Quinta, à pata... A não ser que se arranjassem aí uns burros.

Então o carregador lembrou que perto, no casal da Giesta, ainda pertencente a Tormes, o caseiro, seu compadre, tinha uma boa égua e um jumento... E o prestante homem enfiou numa carreira para a Giesta – enquanto o meu Príncipe e eu caíamos para cima dum banco, arquejantes e sucumbidos, como náufragos. O vasto Pimentinha, com as mãos nas algibeiras, não cessava de nos contemplar, de murmurar: - “É de arrelia”. –O rio defronte descia, preguiçoso e como adormentado sob a calma já pesada de Maio, abraçando, sem um sussurro, uma larga ilhota de pedra que rebrilhava. Para além a serra crescia em corcovas doces, com uma funda prega onde se aninhava, bem junta e esquecida do mundo, uma vilazinha clara. O espaço imenso repousava num imenso silêncio. Naquelas solidões de monte e penedia os pardais, revoando no telhado, pareciam aves consideráveis. E a massa rotunda e rubicunda do Pimentinha dominava, atulhava a região.

-Está tudo arranjado, meu senhor! Vêm aí os bichos!... Só o que não calhou foi um selinzinho para a jumenta!

Era o carregador, digno homem, que voltava da Giesta, sacudindo na mão duas esporas desirmanadas e ferrugentas. E não tardaram a aparecer no córrego, para nos levarem a Tormes, uma égua ruça, um jumento com albarda, um rapaz e um podengo. Apertamos a mão suada e amiga do Pimentinha. Eu cedi a égua ao senhor de Tormes. E começamos a trepar o caminho, que não se alisara nem se desbravara desde os tempos em que o trilhavam, com rudes sapatões ferrados, cortando de rio a monte, os Jacintos de século XIV! Logo depois de atravessarmos uma trémula ponte de pau, sobre um riacho quebrado pôr pedregulhos, o meu Príncipe, com o olho de dono subitamente aguçado, notou a robustez e a fartura das oliveiras... – E em breve os nossos males esqueceram ante a incomparável beleza daquela serra bendita!”

 

 

 

NOTA – Inspiração aqui.

 

 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

 

publicado por Maria Brojo às 08:00
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Quinta-feira, 13 de Novembro de 2014

Cometas, Presságios, Mark Twain, Van Gogh e Woody Allen

Vincent van Gogh starrynight2010_ Ronnie warner.jp

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vincent van Gogh, “Starry Night”, Museu de Arte Moderna de Nova Iorque

 

Sobre a odisseia no espaço todos sabemos um pouco. Nos últimos dias, tem sido notícia o Philae ao conseguir o inédito: separar-se da nave mãe, Rosetta, e fazer pousio num comenta descoberto em 1969 - o 67/Churyumov-Gesasimenko. Que não almejou ancoragem perfeita, é sabido. Porquê insistência na exploração deste cometa? É julgado pela comunidade científica ser determinante no entendimento da formação dos planetas e da vida na Terra.

 

Desde sempre, os cometas intrigam a humanidade. Em idos associados a mensageiros de tragédias, causavam pânico e histeria nas gentes. Seja exemplo o acontecido em 1347 quando o cometa nomeado "Negra" assolou os céus da Idade Média. E não é que, de seguida, a peste negra viria a exterminar um terço da população europeia?!... Em 1014, 333 anos antes e descrita pelos aztecas, insólita a colisão trágica do referido cometa com águas atlânticas – chuva meteórica e tsunamis. Séculos após (1909) e a propósito do Cometa Halley, Mark Twain, nascido durante uma das passagens do cometa, afirmou: _ “Será a maior deceção da minha vida se não partir com o cometa. O ‘Todo-Poderoso’ disse-me: chegaram juntos e devem partir juntos.” Twain, cujo fascínio pela ciência consta na respetiva biografia, morreu aos 74 anos pouco depois de nova aproximação do cometa. Dá que pensar.

 

Curiosa é a origem da palavra cometa. Deriva do latim cometes fundamentado no grego komē (cabeleira). Aristóteles, ao descrever os cometas “como estrelas com cabeleira” foi o primeiro a utilizar a derivação komētēs. Ainda hoje, o símbolo astronómico dos cometas é um disco com cauda a fazer lembrar uma cabeleira (☄). Curiosidade outra: uma das mais famosas telas do segundo milénio, “Starry Night” de Van Gogh, inclui o cometa Hale-Bopp. Mais uma: no filme (…)

 

Nota - Texto integral aqui.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 11:52
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Quinta-feira, 1 de Maio de 2014

PORQUE É DIA DO TRABALHADOR

 

Van Gogh - Peasants Panting Potatoes 

 

Porque é “Dia do Trabalhador”, porque o espírito reivindicativo nascido em Chicago no ano de 1886 não pode fenecer, que quem trabalha se una, que pense individual e coletivamente como objetar, com responsabilidade, aos sucessivos rombos à sua condição.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 08:48
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