Will Kramer
A memória do dia, não minha, pede alegria comedida. No silêncio de uma igreja ou num parque da cidade. Pede planura de beira d’água e da água que corre parada. Papiros despenteados pelo vento. Vestidos floridos nos arbustos. Vergas das esplanadas onde o sol antes de mim tomou assento. Confessionários tão legítimos como os embiocados entre paredes góticas. Omisso sacerdote que me ouça o rol de desvios. Celebração tão íntima e penitencial como em genuflexório obscuro.
Caminho. Vento embaraçando o cabelo que o gesto de sempre afasta dos olhos. Teimoso, regressa, e repito o jeito que o leva. O pensamento vagueia no balanço do dever e haver entre aleluias espaçadas por um ano. Arrependimentos? _ Erro e remedeio são vida. Respeitei e fui respeitada? _ Dei-me, recebi verdade e mentira. Enganei? _ Não. À minha estranha maneira, sou transparente, assim me saibam ler. Legitimo-o? _ Por vezes, à minha estranha maneira de ser leal e omitir.
Prescrevo-me redenção: sol ao alto, bebericar limonada.
CAFÉ DA MANHÃ
Will Kramer
A Siemens destaca os acidentes mais comuns com telemóveis:
- deixar cair o telemóvel;
- atirar o telefone ao chão num acesso de raiva;
- queda do aparelho na sanita;
- esquecer o aparelho no tejadilho do automóvel;
- deixá-lo cair na neve (de preferência em St Moritz, digo eu).
Rol do comum enjeitamento do bicho falador e «GPS de serviço». Mas há resistentes: os que sobrevivem a noite de tempestade após queda num charco que, mal comparado, mais parecia a lagoa de Albufeira ali para as bandas de Alfarim ou Meco e já foi a Meca do nudismo português. Ó valorosos atributos masculinos e seios pingões que por ali balanceavam! Ó rosadas «guidinhas» abertas ao sol do meio-dia! Ó ovos estrelados e pilinhas liliputianas visíveis a olho nu apenas de muito perto! Tudo saudável, sem infiltrações, ou tesuras cirúrgicas.
Por esse tempo, La Plage de La Liberté, ao lado de Saint Tropez, expunha o mesmo encimado por rostos de pevide, sendo elas, de noisette, sendo eles. Nada de muito diferente, não fosse a ausência de modos dos espreitas «meconeses» e a discrição dos voyeurs que na Liberté silenciavam orgasmos. Cá tudo boçal, dizem, lá tudo raffiné segundo a fama. Por entender: então os franceses têm requinte e nós não? As pevides e os fragiles que nem uma cascata de água limpa escorrendo-lhes pelo corpo aguentam por dia? Depois, armados em finos, fazem género. Não raro, a xenofobia marca-lhes atitudes, malgré o reputado ‘bon chic, bon genre’. Os nossos emigrantes, desde os anos sessenta até hoje, que o digam.
CAFÉ DA MANHÃ
Will Kramer
Comecei a época balnear sem vestígio de tempo para enfiar os pés num areal e o corpo no mar. Noutros anos, altura idêntica, havia encontrado momentos de fuga rente ao oceano. Se a meteorologia tem primado por irregular, não é culpada do meu afastamento dos quilómetros de caminhadas com o vagido das ondas por fundo musicado. Na continuidade dos dias, alevanta-se a família e o trabalho como preocupações maiores.
Sendo a pessoa mamífero cuja condição também respeita tendência em cumprir hábitos com anos, decidi intervalo nas preocupações e volver a costa marítima que as alivie. Cindo dias bastam, aproveitando feriados prestes a finarem-se quando medidas «troikianas» os rarefaçam. Enquanto a bordoada não chega, faço o mesmo que portugueses com saldo em reserva, cada vez menos por força da penúria de todos: hoje, bobby à trela, parto alegremente a caminho do azul líquido e do sol que o Olimpo conceder. Estando rezingão, a mudança de lugar, os livros, a gastronomia e o repouso aliciam qualquer um. Eu com eles.
Persisto na ideia dum ciclo mundial que termina. Talvez esta minha romagem seja a última por alguns/muitos anos. Talvez se esboroe esta Comunidade da Europa que nos inclui. Talvez, quase certeza, honestos trabalhadores paguem o que não devem. Talvez os cidadãos sejam obrigados a mais e penosas mudanças de referências. Talvez as ondas doem energia para a reacção necessária.
CAFÉ DA MANHÃ
Autor que não foi possível identificar e Will Kramer
Pelos incêndios e temperaturas acima de 30º C, os russos suam estopinhas. Não apetecendo sombras frescas pelo dióxido de carbono concentrado no ar, muitos, sem tino, atiram-se à água. Se em 2009 pereceram afogadas 6476 pessoas, o número, nesta semana, sobe acima de 200. Escolha de praias não vigiadas e álcool a rodos, razões principais. Previsto que a espessa capa de fumo continue nos próximos dias, os augúrios desanimam.
Aqui, o mesmo e diferente. Hectares e empresas queimadas depauperam as reservas florestais, os solos e atemorizam gentes. O inferno de Dante não devia ser tão quente. Recursos humanos exauridos aumentam a tragédia quando a estrada os mata. E dói saber das desgraças. De não cuidarmos do património vegetal. Da recorrente escassez dos meios. Da perversidade dos assassinos dos bens comuns e individuais. Do abandono a que estão votadas as matas pelos seus proprietários por descuido ou ausência de renda que lhes permita limpá-las. A pobreza e má gestão sempre ao leme da barcaça onde afrontamos Atlânticos.
Afligem os desaparecidos, por arrojo excessivo, em águas traiçoeiras. Muito novos, a maioria. Mas existem campanhas de sensibilização. Mas há sinalética adequada. Mas há os conselhos passados ‘de boca em boca’. Mas existe cego mais infortunado do que aquele que rejeita «ver»?
O lema publicitário do Alexandre O’Neil “Há mar e mar, há ir e voltar” mantém actualidade. Todavia, mais parecemos país de marinheiros de água doce. Fernando Pessoa por bem tentou do sonho português fazer oceano com alma dentro.
CAFÉ DA MANHÃ
Will Kramer
A fé não é um hipnótico capaz de mergulhar em sono profundo os portugueses estrangulados social e economicamente. A fé não é anestésico que alivia dores. A fé não pode consentir crimes, sejam pedófilos ou má gestão dos dinheiros públicos. A fé não deve ser cúmplice de mentiras e silêncios continuados que pelo mundo fora aumentam pobreza e tristeza. Que permitiram e aumentam neste «canto» desequilíbrio e sofrimento. Os crimes requerem julgamento. Condenação _ lesar o interesse comum é delito imperdoável. E se oitenta por cento dos portugueses são católicos, muitos deles são responsáveis pela nossa miséria social. Por permitirem às entidades bancárias cobrança de sete a catorze euros por mês aos utentes das contas menos recheadas pela manutenção. Neste contingente, incluídos salários e reformas paupérrimas.
É fácil apontar o dedo à «crise» importada. Triste ‘conto do vigário’: nas últimas décadas, imperou o laxismo na governação que, por ora, a todos pesa com IVA aumentado. Carga traduzida pelos olhares cabisbaixos e previsível conflitualidade.
Nesta visita de Bento VXI, foi confundida pompa com dignidade. A primeira foi ociosa, a segunda seria pedagógica. A interpretação papal do ‘terceiro segredo de Fátima’(?) deve ir além da pedofilia cometida ‘pelas ervas-daninhas’ semeadas nos católicos. Ainda não foi ouvido pedido de desculpa sobre a responsabilidade do Vaticano neste caos de desumanidade. E se é verdade que a acção social da Igreja Católica tem persistido no compromisso com os mais precisados, são necessários reforços para enfrentar infernos esperados. Não é suficiente o feito no futuro começado amanhã.
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Will Kramer
A memória do dia pede, não minha, alegria comedida. No silêncio de uma igreja ou num parque da cidade. Pede planura de beira d’água e da água que corre parada. Papiros despenteados pelo vento. Vestidos floridos nos arbustos. Vergas das esplanadas onde o sol antes de mim tomou assento. Confessionários tão legítimos como os embiocados entre paredes góticas. Omisso sacerdote que me ouça o rol de desvios. Celebração tão íntima e penitencial como em genuflexório obscuro.
Caminho. Vento embaraçando o cabelo que o gesto de sempre afasta dos olhos. Teimoso, regressa, e repito o jeito que o leva. O pensamento vagueia no balanço do dever e haver entre aleluias espaçadas por um ano. Arrependimentos? Erro e remedeio são vida. Respeitei e fui respeitada? _ Dei-me, recebi verdade e mentira. Enganei? _ Não. À minha estranha maneira, sou transparente, assim me saibam ler. Permito-o? _ Por vezes, à minha estranha maneira de ser leal e omitir.
Prescrevo-me redenção: sol ao alto, beberico caipirinha.
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