Quarta-feira, 28 de Maio de 2014

ÁGUA QUE CORRE PARADA

Will Kramer

 

A memória do dia, não minha, pede alegria comedida. No silêncio de uma igreja ou num parque da cidade. Pede planura de beira d’água e da água que corre parada. Papiros despenteados pelo vento. Vestidos floridos nos arbustos. Vergas das esplanadas onde o sol antes de mim tomou assento. Confessionários tão legítimos como os embiocados entre paredes góticas. Omisso sacerdote que me ouça o rol de desvios. Celebração tão íntima e penitencial como em genuflexório obscuro.

 

Caminho. Vento embaraçando o cabelo que o gesto de sempre afasta dos olhos. Teimoso, regressa, e repito o jeito que o leva. O pensamento vagueia no balanço do dever e haver entre aleluias espaçadas por um ano. Arrependimentos? _ Erro e remedeio são vida. Respeitei e fui respeitada? _ Dei-me, recebi verdade e mentira. Enganei? _ Não. À minha estranha maneira, sou transparente, assim me saibam ler. Legitimo-o? _ Por vezes, à minha estranha maneira de ser leal e omitir.

 

Prescrevo-me redenção: sol ao alto, bebericar limonada.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:20
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Sexta-feira, 3 de Maio de 2013

DAS FAMAS, CONTRADIÇÕES

 

Will Kramer

 

A Siemens destaca os acidentes mais comuns com telemóveis:
- deixar cair o telemóvel;
- atirar o telefone ao chão num acesso de raiva;
- queda do aparelho na sanita;
- esquecer o aparelho no tejadilho do automóvel;
- deixá-lo cair na neve (de preferência em St Moritz, digo eu).

Rol do comum enjeitamento do bicho falador e «GPS de serviço». Mas há resistentes: os que sobrevivem a noite de tempestade após queda num charco que, mal comparado, mais parecia a lagoa de Albufeira ali para as bandas de Alfarim ou Meco e já foi a Meca do nudismo português. Ó valorosos atributos masculinos e seios pingões que por ali balanceavam! Ó rosadas «guidinhas» abertas ao sol do meio-dia! Ó ovos estrelados e pilinhas liliputianas visíveis a olho nu apenas de muito perto! Tudo saudável, sem infiltrações, ou tesuras cirúrgicas.

Por esse tempo, La Plage de La Liberté, ao lado de Saint Tropez, expunha o mesmo encimado por rostos de pevide, sendo elas, de noisette, sendo eles. Nada de muito diferente, não fosse a ausência de modos dos espreitas «meconeses» e a discrição dos voyeurs que na Liberté silenciavam orgasmos. Cá tudo boçal, dizem, lá tudo raffiné segundo a fama. Por entender: então os franceses têm requinte e nós não? As pevides e os fragiles que nem uma cascata de água limpa escorrendo-lhes pelo corpo aguentam por dia? Depois, armados em finos, fazem género. Não raro, a xenofobia marca-lhes atitudes, malgré o reputado ‘bon chic, bon genre’. Os nossos emigrantes, desde os anos sessenta até hoje, que o digam.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:23
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Quinta-feira, 9 de Junho de 2011

ANTES DO PIOR, ‘BOBBY’ À TRELA

Will Kramer 

 

Comecei a época balnear sem vestígio de tempo para enfiar os pés num areal e o corpo no mar. Noutros anos, altura idêntica, havia encontrado momentos de fuga rente ao oceano. Se a meteorologia tem primado por irregular, não é culpada do meu afastamento dos quilómetros de caminhadas com o vagido das ondas por fundo musicado. Na continuidade dos dias, alevanta-se a família e o trabalho como preocupações maiores.

 

Sendo a pessoa mamífero cuja condição também respeita tendência em cumprir hábitos com anos, decidi intervalo nas preocupações e volver a costa marítima que as alivie. Cindo dias bastam, aproveitando feriados prestes a finarem-se quando medidas «troikianas» os rarefaçam. Enquanto a bordoada não chega, faço o mesmo que portugueses com saldo em reserva, cada vez menos por força da penúria de todos: hoje, bobby à trela, parto alegremente a caminho do azul líquido e do sol que o Olimpo conceder. Estando rezingão, a mudança de lugar, os livros, a gastronomia e o repouso aliciam qualquer um. Eu com eles.

 

Persisto na ideia dum ciclo mundial que termina. Talvez esta minha romagem seja a última por alguns/muitos anos. Talvez se esboroe esta Comunidade da Europa que nos inclui. Talvez, quase certeza, honestos trabalhadores paguem o que não devem. Talvez os cidadãos sejam obrigados a mais e penosas mudanças de referências. Talvez as ondas doem energia para a reacção necessária.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 00:07
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Sábado, 7 de Agosto de 2010

OCEANO COM ALMA DENTRO?

Autor que não foi possível identificar e Will Kramer

 

Pelos incêndios e temperaturas acima de 30º C, os russos suam estopinhas. Não apetecendo sombras frescas pelo dióxido de carbono concentrado no ar, muitos, sem tino, atiram-se à água. Se em 2009 pereceram afogadas 6476 pessoas, o número, nesta semana, sobe acima de 200. Escolha de praias não vigiadas e álcool a rodos, razões principais. Previsto que a espessa capa de fumo continue nos próximos dias, os augúrios desanimam.

 

Aqui, o mesmo e diferente. Hectares e empresas queimadas depauperam as reservas florestais, os solos e atemorizam gentes. O inferno de Dante não devia ser tão quente. Recursos humanos exauridos aumentam a tragédia quando a estrada os mata. E dói saber das desgraças. De não cuidarmos do património vegetal. Da recorrente escassez dos meios. Da perversidade dos assassinos dos bens comuns e individuais. Do abandono a que estão votadas as matas pelos seus proprietários por descuido ou ausência de renda que lhes permita limpá-las. A pobreza e má gestão sempre ao leme da barcaça onde afrontamos Atlânticos.

 

Afligem os desaparecidos, por arrojo excessivo, em águas traiçoeiras. Muito novos, a maioria. Mas existem campanhas de sensibilização. Mas há sinalética adequada. Mas há os conselhos passados ‘de boca em boca’. Mas existe cego mais infortunado do que aquele que rejeita «ver»?

 

O lema publicitário do Alexandre O’Neil “Há mar e mar, há ir e voltar” mantém actualidade. Todavia, mais parecemos país de marinheiros de água doce. Fernando Pessoa por bem tentou do sonho português fazer oceano com alma dentro.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:08
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Quinta-feira, 13 de Maio de 2010

A FÉ NÃO É

Will Kramer

 

A fé não é um hipnótico capaz de mergulhar em sono profundo os portugueses estrangulados social e economicamente. A fé não é anestésico que alivia dores. A fé não pode consentir crimes, sejam pedófilos ou má gestão dos dinheiros públicos. A fé não deve ser cúmplice de mentiras e silêncios continuados que pelo mundo fora aumentam pobreza e tristeza. Que permitiram e aumentam neste «canto» desequilíbrio e sofrimento. Os crimes requerem julgamento. Condenação _ lesar o interesse comum é delito imperdoável. E se oitenta por cento dos portugueses são católicos, muitos deles são responsáveis pela nossa miséria social. Por permitirem às entidades bancárias cobrança de sete a catorze euros por mês aos utentes das contas menos recheadas pela manutenção. Neste contingente, incluídos salários e reformas paupérrimas.

 

É fácil apontar o dedo à «crise» importada. Triste ‘conto do vigário’: nas últimas décadas, imperou o laxismo na governação que, por ora, a todos pesa com IVA aumentado. Carga traduzida pelos olhares cabisbaixos e previsível conflitualidade.

 

Nesta visita de Bento VXI, foi confundida pompa com dignidade. A primeira foi ociosa, a segunda seria pedagógica. A interpretação papal do ‘terceiro segredo de Fátima’(?) deve ir além da pedofilia cometida ‘pelas ervas-daninhas’ semeadas nos católicos.   Ainda não foi ouvido pedido de desculpa sobre a responsabilidade do Vaticano neste caos de desumanidade. E se é verdade que a acção social da Igreja Católica tem persistido no compromisso com os mais precisados, são necessários reforços para enfrentar infernos esperados. Não é suficiente o feito no futuro começado amanhã.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 15:31
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Sábado, 3 de Abril de 2010

ÁGUA QUE CORRE PARADA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Will Kramer

 

A memória do dia pede, não minha, alegria comedida. No silêncio de uma igreja ou num parque da cidade. Pede planura de beira d’água e da água que corre parada. Papiros despenteados pelo vento. Vestidos floridos nos arbustos. Vergas das esplanadas onde o sol antes de mim tomou assento. Confessionários tão legítimos como os embiocados entre paredes góticas. Omisso sacerdote que me ouça o rol de desvios. Celebração tão íntima e penitencial como em genuflexório obscuro.

 

Caminho. Vento embaraçando o cabelo que o gesto de sempre afasta dos olhos. Teimoso, regressa, e repito o jeito que o leva. O pensamento vagueia no balanço do dever e haver entre aleluias espaçadas por um ano. Arrependimentos? Erro e remedeio são vida. Respeitei e fui respeitada? _ Dei-me, recebi verdade e mentira. Enganei? _ Não. À minha estranha maneira, sou transparente, assim me saibam ler. Permito-o? _ Por vezes, à minha estranha maneira de ser leal e omitir.

 

Prescrevo-me redenção: sol ao alto, beberico caipirinha.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 10:47
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