Vladimir Kush
A entrada é manhosa. Brilha a calçada em ângulo obtuso. Polida. Gasta por passos perdidos na dor, na ansiedade, no medo, na alegria ou no alívio. A passada fica espontaneamente miúda – adivinha possibilidade do corpo resvalar e obedecer à gravidade lei.
Dentro dos muros, tudo é exíguo. No filtrado estacionamento, as ambulâncias entopem-se mutuamente. Impaciência no rosto de quem as conduz. Maqueiros correm nas vielas esconsas. Empurram macas. Numa, paciente idosa, entubada, desnuda nos ombros pela coberta escorregadia. Distância excessiva (per)corrida num final de manhã de gelo. Soalheira. Pingasse o céu, e, além do frio, a doente chegaria ao destino pior do que saíra.
Edifícios avulsos. Setas apontam «gias»: cirurgia, gastroenterologia, oftalmologia e mais do que outras tantas. Os necessitados de cuidados, idosos na maioria, arrastam-se nos becos com o desalento expresso no andar e no rosto. Aguardam em corredores apertados como se foram salas de espera. Circulam os ponteiros e nada muda – a espera continua.
O antigo convento dos Capuchos abriga hospital. Talvez não dure muito por ali. Ou não, que nem sempre é orientada pelas prioridades a gestão dos dinheiros públicos. Na degradação geral, coabitam administrativos, médicos, enfermeiros e auxiliares bons, maus ou rudes como noutro qualquer sítio. Madraços e dinâmicos misturados na salada dos funcionários públicos. Salários e progressões na carreira sem discriminarem a eficácia do trabalho cumprido.
Engaiolado entre edifícios, o “Pátio do Relógio”. Nele, a cisterna do antigo convento. Boca octogonal com um metro de altura encimada por relógio de sol em pedra. Gravada a data, 1586, e as iniciais do construtor. O século dezoito provado na riqueza ornamental dos azulejos obedientes à tradição azul e branca: lírios no centro dos medalhões, anjos, concheados e “asas de morcego”. E o relógio, beleza inesperada, marca as horas. Segue a teia solar sem que as esperas e o desespero nele sejam medidas.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros